quinta-feira, outubro 27, 2005

Preto. Escuro. Tudo obscuro. Uma fumaça sai de uma extremidade cinzenta em brasa. É o único foco de luz. A mesma música repete-se infinitas vezes perdendo-se em minha distração. Ressoa nothing´s gonna change my world semanas e semanas a fio. Entro com a pisada seca e mantenho o passo firme. No palco, nada se mexe, apenas o pequeno ponto em brasa, na altura do meu peito. Ressoa, ressoa, ressoa, ando. Silêncio, enfim.
Disse aquele que, para mim, melhor decifrou a alma humana que "a armadilha do ódio é que ele nos prende muito intimamente ao adversário. Eis a obscenidade da guerra: a intimidade do sangue mutuamente derramado, a proximidade lasciva de dois soldados que, olhos nos olhos, transpassam-se reciprocamente" (Kundera).
O ódio é pequeno, mesquinho, chulo? Não. Ele rasteja ao rés-do-chão. Redundante, portanto. Pior é ser superior. Entregar-se a essa farsa mal engajda que vomita falso moralismo. Mas a entrega ao abate faz descer o semi-deus de cada um quando ele é capaz de olhar com seus próprios olhos na altura exata de outros que assim, perfeitamente, os reflitam. E o abate é rente ao chão; é mais vivo porque é vida.
"A solidão: doce ausência de olhares. (...) os olhares eram fardos isuportáveis" (ele de novo!).
Aquele silêncio marcou o exato momento do suicídio: se matou para mim; não existe mais como antes em minha vida; é outra, uma outra que pode estar em qualquer parte, ser qualquer outra.

Quanta verdade há nas coisas mais belas!
E quanta coisa tenho aqui dentro
não sei mais onde empilhar.
Idéias movediças, passageiras
corriqueiras sempre cordilheiras.
E mais essa, passando de texto em texto,
palavra pouca pro que pretendo gesto.
De repente já não me perco
me vendo de fora para dentro
dormindo pouco e deixando solto
o que tiver de ser levado pelo vento.

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